sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Alzheimer Insulina é nova aposta

Pesquisadores brasileiros relacionam a doença ao diabetes tipo 2 e abrem um novo caminho de tratamento

# Janey Costa


De todas as pessoas com mais de 65 anos em todo o mundo, cerca de 15% sofrem com o mal de Alzheimer. Uma doença perversa, progressiva, incurável e incapacitante que afeta áreas do cérebro responsáveis pela memória, pela linguagem e pelo raciocínio lógico. São mais de 20 milhões de doentes no planeta — 1 milhão só no Brasil. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2025 o país será o sexto com maior número de idosos. Por isso, a doença, apontada como a maior causa de demência na terceira idade, é uma ameaça tão grande. Desde a sua descoberta, em 1907, pelo psiquiatra e neuropatologista alemão Alois Alzheimer, a comunidade científica mundial busca respostas que levem à compreensão e à cura da doença.

O mal de Alzheimer se instala quando o processamento de um tipo de proteína, a beta-amiloide, produzida pelo sistema nervoso central, começa a falhar. Formam-se, então, aglomerados tóxicos de fragmentos mal cortados dessa substância, com formato de diminutas bolinhas, chamados oligômeros.

O cérebro possui um sistema de defesa próprio, que isola o sangue que irriga sua rede capilar do resto do corpo, a barreira hematoencefálica. As proteínas beta-amiloides, porém, são reconhecidas como substâncias “autorizadas” e conseguem burlar a barreira e se alojar no interior dos neurônios sob a forma de oligômeros ou em emaranhados proteicos no espaço entre eles. Acreditava-se, até pouco tempo atrás, que o acúmulo excessivo desses emaranhados de proteínas fossem os grandes vilões, mas estudos mais recentes em todo o mundo apontam os oligômeros como os reais causadores da doença. Eles conseguem se ligar aos neurônios e penetrá-los, bloqueando as sinapses (comunicação eletroquímica entre neurônios), causando deformidades e a morte das células. Não se sabe ainda porque os oligômeros atacam áreas específicas do órgão, mas a desconfiança é de que a relação seja com o tipo de neuroreceptor.

Boas novas

Os laboratórios de Doenças Neurodegenerativas e de Neurobiologia da Doenca de Alzheimer do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) deram um novo passo para a compreensão da doença. Pesquisadores descobriram que a administração da insulina em neurônios, associada à rosiglitazona, ambos medicamentos já empregados no tratamento do diabetes tipo 2, pode ser uma poderosa arma no combate à doença, que ainda não tem cura.

Testes conduzidos pela bióloga e neurocientista Fernanda De Felice, sob o comando do professor Sérgio Teixeira Ferreira, também bioquímico e neurocientista, revelaram que as substâncias têm a propriedade de evitar a degeneração dos neurônios danificados e de restaurar sua capacidade de realizar as sinapses. Ferreira, contudo, alerta que ainda é cedo para comemorar. A pesquisa ainda está na fase de testes com cobaias e é preciso percorrer um longo caminho até o desenvolvimento de um medicamento viável para uso humano. Mas, sem dúvida, a descoberta representa uma luz no fim do túnel para os milhões de portadores da doença.

Nos últimos cinco anos, os pesquisadores começaram a relacionar a doença de Alzheimar ao diabetes tipo 2. Várias evidências clínicas mostravam que os pacientes com Alzheimer apresentavam grandes tendência a desenvolver o diabetes tipo 2 e vice-versa. Mas os fatores que relacionavam as duas doenças permaneciam obscuros. As primeiras pistas surgiram em 2008, com uma pesquisa desenvolvida por Fernanda de Felice durante um estágio na Universidade Northwestern, em Illinois, Estados Unidos. Fernanda descobriu que os neurônios dos pacientes de Alzheimer perdiam receptores de insulina. A toxina escondida no interior da célula bloqueava os neuroreceptores, impedindo que a insulina chegasse à parede do neurônio. O trabalho foi publicado no periódico científico Faseb Journal.

Até agora, não havia certeza de que o cérebro necessitasse de insulina para seu funcionamento. Na sequência, cientistas brasileiros e americanos começaram a tratar os neurônios afetados com uma combinação de insulina e roziglitazona. Hoje, graças a essas descobertas, já existe um consenso na comunidade científica de que a doença de Alzheimer pode ser, na verdade, uma espécie de diabetes do cérebro. Ferreira explica que a insulina é importantíssima para seu bom funcionamento, ajudando na obtenção de energia e na formação da memória.

Nos portadores da doença, os neurônios se tornam resistentes à ação benéfica da insulina, daí a constatação que o mal de Alzheimer seria o diabetes tipo 3, que, ao contrário dos outros, não seria uma doença sistêmica, mas uma moléstia que ataca exclusivamente o cérebro. No processo, toxinas derivadas da proteína beta-amiloide produzidas pelo sistema nervoso central, os oligômeros atacam os neurônios comprometendo suas funções e sua sobrevivência. Os oligômeros já são figuras conhecidas no mundo da neurociência. A novidade, segundo a pesquisa brasileira, é que não importa a composição química deles, mas, sim, sua forma. Os neuroreceptores interpretam a forma esférica da toxina como substância “autorizada”, permitindo a invasão.

A experiência

Utilizando uma proteína (a lisozima) retirada da clara do ovo de galinha, a equipe sintetizou no laboratório uma estrutura semelhante aos oligômeros que atacam o cérebro. Incubada em alta temperatura e em ambiente com Ph ácido, a lisozima assumiu o formato do oligômero em menos de 24 horas. Células sadias mantidas em cultura foram expostas à ação dos oligômeros com formato de minúsculas bolinhas. Os perquisadores observaram que, apesar de inofensiva ao organismo humano, a lisozima em forma de oligômero provocou a morte das células quando adicionada às culturas de neurônios.

A descoberta confirmou a tese de que o neurônio reconhece a forma e não a composição química do oligômero. Uma vez ligado à célula, o oligômero danifica a proteína tau (importante na manutenção da forma do neurônio), o que provoca a formação de emaranhados no seu interior e causa a deformação e a morte da célula.

O dano induzido pelos pesquisadores em células sadias ocorre poucas horas após a exposição aos oligômeros. Mas, ao aplicar a combinação da insulina e da rosiglitazona, a sensibilidade das células à insulina aumenta e a ação das duas substâncias impede que os oligômeros se liguem aos neurônios, evitando a perda de suas funções. Os neurônios submetidos à terapia tiveram as sinapses preservadas e permaneceram ativos.

A grande questão seria encontrar uma maneira de administrar o medicamento de forma que ele seja absorvido apenas pelo cérebro. Por se tratarem de substâncias que agem no sistema endócrino, seriam aborvidas por ele e apenas uma pequena quantidade chegaria ao cérebro. Por isso, a aplicação por via usual seria problemática. A administração de doses elevadas sobrecarregaria o sistema endócrino e poderia levar a um desequilíbrio na glicemia. Por outro lado, em pacientes com diabetes tipo 2, o uso continuado da insulina acaba tornando resistente a barreira hematoencefálica, em condições normais bastante permeável ao medicamento. Tal resistência agravaria a situação dos neurônios atingidos pela ação dos oligômeros.

A corrida pela produção do medicamento que pode revolucionar o tratamento da doença já começou. Indústrias farmacêuticas e universidades já investem pesado em pesquisas. Uma das soluções imaginadas seria produzir uma forma inalante da substância. Abosrvido pela mucosa nasal, o medicamento venceria com maior facilidade a barreira hematoencefálica e chegaria mais rapidamente ao cérebro

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